Shenmue surgiu em 2000, na Dreamcast, como uma verdadeira revolução, um jogo aberto que combinava exploração, diálogo, narrativa, combate, e mini-jogos. Aclamado por críticos e fãs, Shenmue teve direito a uma sequela em 2001, mas o fim da Dreamcast acabou por ser também o fim da saga, o que deixou os fãs sem conclusão para a aventura do protagonist Ryo. Muitos já teriam perdido a esperança de um dia virem a experienciar a continuação da história, mas isso mudou em 2005, quando o criador da saga anunciou uma campanha de Kickstarter para a realização de Shenmue III. A campanha foi um sucesso, e agora temos finalmente o terceiro capítulo entre nós, mas depois de todos estes anos, consegue Shenmue manter-se relevante?
Sim, ainda que sem o mesmo impacto, mas o mais importante para os fãs é saber que a aventura continua, e logo a partir de onde terminou o jogo anterior, com Ryo e Shenhua a investigarem as crípticas imagens de um dragão de uma fénix numa cave. O jogo continua como se, em vez de 18 anos, se tivessem passado 18 meses entre o capítulo 2 e 3, e beneficia de um resumo para informar ou relembrar os jogadores do que se passou.
A nova aventura passa-se na pequena vila de Bailu, e coloca Ryo e Shenhua no encalce do pai da rapariga, que tal como o pai de Ryo, desapareceu de forma misteriosa. Muito dos jogos anteriores envolveram questionar outras personagens sobre vários assuntos, e Shenmue III não é diferente, ainda que os diálogos não sejam nada de memorável, mas antes frases feitas que visam dar alguma pista ao jogador, ou um pouco mais de contexto sobre a vila.
O que realmente destacou Shenmue I e II foi a possibilidade de acompanhar o dia-a-dia de Ryo, e isso mantém-se neste terceiro capítulo. O facto das personagens, mesmo os comuns habitantes da vila, apresentarem personalidades e particularidades tão distintas, é algo que ajuda a dar vida e autenticidade a este mundo. Não existem personagens iguais, e embora graficamente não seja algo de notável, a sua presença é algo que ajuda a distinguir Shenmue III.
É preciso deixar claro que Shenmue III não é uma grande produção, e isso nota-se na qualidade gráfica do jogo, muito abaixo do que se faz de melhor hoje em dia. Se Shenmue I foi revolucionário nesse aspeto, Shenmue III é bem mais comedido, tentando compensar a falta de uma qualidade técnica, com um design em que as personagens parecem quase caricaturas com traços e características muito exageradas.
Mesmo a nível de animações, Shenmue III é fraco, mas o jogo oferece uma atenção ao detalhe deliciosa, sobre em termos de ambiente e design da vila. Bailu é um sítio agradável, com vida, e isso significa que passámos belos momentos a explorar os seus encantos. Numa primeira fase, Shenmue III é algo restrito em termos de áreas, mas vai abrindo ao longo da aventura, apresentando mais mercados, regiões, e templos.
Enquanto Bailu é uma delícia, não se compara com Niaowu, a localização onde se passa o segundo ato. Esta região está recheada de atividades e curiosidades, e a verdade é que não esperávamos que o jogo apresentasse tanto conteúdo, sobretudo considerando que se trata de um jogo financiado publicamente. Isto demonstra bem o carinho e paixão que a YS Net, e em particular o criador Yu Suzuki, têm por esta saga.
O sistema de combate dos jogos originais era baseado em Virtua Fighter, que na altura era uma referência em termos de jogos de luta, o que já não é o caso. Isso motivou o estúdio a modificar o sistema de combate, que desta vez inclui alguns elementos táticos misturados com a jogabilidade em tempo real. A questão é que os golpes seguem agora uma sequência, e não são correspondentes a botões específicos. Por exemplo, se carregar em X, Triângulo, Triângulo, Ryo executa um ataque com o seu cotovelo, mas se pressionar Quadrado, Triângulo, ele dará um pontapé alto. Além disto é possível bloquear ataques ou evitá-los, mas para sermos honestos, é tudo um pouco preso e pouco intuitivo, o que torna o combate em alto inesperadamente frustrante. De qualquer forma pode praticar no Dojo e desafiar amigos para treinar os seus movimentos.
O combate não é, contudo, o centro da experiência de Shenmue III. Trata-se de um jogo em que o foco é a jornada de Ryo, e isso envolve muitos elementos, não apenas combate. Parte fulcral dessa viagem é Shenhua, que embora tenha tido um papel relativamente discreto no segundo jogo, aqui ganha particular importância. Um pormenor de Shenmue III é que existe um ciclo de noite e dia, e de noite, Ryo tem de ir para casa dormir. É aqui que irá interagir com Shehhua, e através de várias conversas irá aprender o seu passado e conhecer a sua personalidade.
Os jogos Shenmue nunca foram para todos os jogadores, e este terceiro capítulo ainda o é menos, já que ao contrário do que aconteceu na Dreamcast, não apresenta nada de revolucionário. Se jogou Shenmue no passado e não gostou, então não existe qualquer motivo para olhar para este Shenmue III, mas se pelo contrário adorou seguir a saga de Ryo nos jogos anteriores, então torna-se uma proposta obrigatória. Quanto a novatos, que nunca experimentaram a série, não sabemos qual pode ser a sua reação. Espreite uns vídeos, pondere bem a nossa análise, e se achar interessante, considere-o. Quem sabe, pode vir a descobrir uma jornada fantástica.