Já muitos de nós, em certos momentos das nossas vidas, nos perdemos nos nossos próprios pensamentos sombrios, cheios de dúvidas, incertezas, e ansiedade. Esse é o estado de espírito da protagonista de Sea of Solitude, um misto de rapariga e monstros chamada Kay. Sem saberem bem porquê, serão atirados para uma cidade submersa, tendo apenas um pequeno bote para navegarem. À medida que as marés vazam, contudo, vão também presenciar o surgimento de estranhos monstros, cujo aparentemente objetivo passa por arrastar Kay para o fundo do mar. O jogo tem uma certa sensação de nostalgia, mas também é sombrio e assustador.
Sem revelarmos demasiado sobre o Sea of Solitude, podemos dizer que o estado de espírito de Kay está diretamente ligado ao mundo e aos monstros. É uma premissa interessante, mas a nível mecânico deixa muito a desejar, e a própria história acaba por afundar num mar de diálogos excessivos. Não é sejam desnecessários, e abordam tópicos muito importantes de saúde mental, mas um jogo não pode ser apenas mensagem, tem de ter algo mais. Dizem que uma imagem vale mil palavras, mas a Jo-Mei Games claramente discorda, já que Kay passa o jogo a comentar situações óbvias, ao ponto de se tornar extremamente cansativo. O facto da atriz que interpreta Kay não ser particularmente talentosa só piora a situação.
Ao longo de 12 capítulos de história, Sea of Solitude tenta mostrar que doenças mentais, como depressão, não são algo que alguém possa simplesmente desligar e curar. É óbvio que o estúdio pensou bem no conceito do jogo, e na melhor forma de abordar tópicos tão delicados, mas a sua execução está longe de ser ideal. Existem momentos narrativos que são claramente forçados, e em vez de nos fazerem sentir algo - que era claramente a intenção -, tiveram o efeito oposto, puxando-nos para fora do jogo. Claro que encontrámos situações bem trabalhadas, que tiveram impacto, mas de forma geral não tivemos a empatia por Kay que os produtores pretendiam.
Esse é o principal objetivo de Sea of Solitude, e não o cumpre tão bem quanto poderia, mas o pior é que outros elementos são ainda mais fracos. A jogabilidade, por exemplo, é composta por algumas secções banais de plataformas, e ainda duas habilidades especiais que Kay pode usar. A primeira é um sinal de luz que pode disparar, e que guia Kay para onde precisar de ir, mas a outra é mais estranha e inesperada. Através da sua mochila laranja, Kay pode sugar pequenos seres que parecem larvas, e que estão a corromper esferas de luz espalhadas pelo mundo. Estas esferas são o que precisam para avançarem a história, já que desbloqueiam partes da psique da personagem. Para chegarem até às esferas terão de resolver alguns puzzles, mas não são muito interessantes, e embora o estúdio tente acrescentar variedade no segundo e terceiro atos, parece sempre que falta algo a Sea of Solitude. Um jogo tem de ser mais que isto, sobretudo quando a narrativa não cumpre totalmente os seus objetivos.
Também não esperem encontrar grande desafio em Sea of Solitude. Trata-se de um jogo desenhado para que o jogador atravesse a história sem grande dificuldade ou distrações, o que significa que na verdade não existem consequências para quando algum monstro vence Kay. Normalmente reaparecem praticamente onde perderam, ou se tiverem azar, algumas plataformas anteriores. A única 'dificuldade' não surge de design, mas de incompetência dos controlos, que são trapalhões e lentos, aumentado a frustração nos momentos de maior intensidade.
Gostaríamos de ter tido mais opções ao nível da interação com o bote, sobretudo porque é o único companheiro de Kay ao longo desta viagem. É quase um sinal de conforto, capaz de iluminar o mundo mesmo através das piores tempestades. Quase está no barco, Kay envolve-se na doce brisa do mar, e quando o abandona, tudo retorna ao tom sombrio e aos monstros que a querem caçar. Pena por isso que a interação seja tão escassa e que não seja usado mais vezes.
Um dos pontos mais fortes de Sea of Solitude é o seu estilo visual, com cores muitos fortes e um design minimalista, a lembrar algo como The Legend of Zelda: Wind Waker. Pena que o mundo em si seja tão vazio e não aproveite o charme do estilo visual, e pior ainda, que as animações sejam tão fracas, sobretudo as de personagens que não sejam Kay. Outro problema do mundo é o facto de não incluir surpresas ou incentivos para a exploração, além das esferas de luz. Existe pouco para fazer além de apanhar algumas garrafas com mensagens ou afugentar gaivotas.
Tínhamos alguma expetativa e curiosidade para este Sea of Solitude, mas acabou por se revelar uma tremenda desilusão. A jornada de Kay tem uma certa aura de romantismo e aborda temas com que qualquer um de nós se consegue identificar, mas nem a narrativa, nem a jogabilidade conseguem levar Sea of Solitude a bom porto. Estará mais próximo de um Submerged, outro jogo que desapontou, do que títulos como Journey, Gris, ou Rime.