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Micro-transações ou Mega-transações?

Modelo de negócio ameaça tornar-se numa das pragas da nova geração de videojogos.

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As micro-transações são um fenómeno que começou a surgir nos videojogos durante os últimos anos, pequenos pedaços de conteúdo, de várias formas e feitios, que os jogadores podem adquirir para melhorar ou complementar a experiência de jogo. Desde um pequeno DLC, a batotas ou atalhos, passando por efeitos cosméticos, níveis completos ou até personagens extra. Existem micro-transações para todos os gostos.

O conceito terá sido originalmente criado para jogos free-to-play, ou seja, jogos que podiam ser descarregados e jogados gratuitamente, mas com funções, opções, vantagens e efeitos cosméticos a que só podem aceder se pagarem para isso. Este modelo de micro-transações tornou-se particularmente prolífero nas plataformas móveis, onde os jogos são normalmente gratuitos ou de custos muito reduzidos, mas também em vários MMORPG de PC.

Eventualmente, contudo, as micro-transações foram transportadas para os jogos de consolas e para os chamados "AAA", jogos que normalmente custam o preço por inteiro de 60 ou 70 euros. FIFA, por exemplo, já inclui micro-transações há vários anos, através do modo FIFA Ultimate Team. Aqui é possível comprar carteirinhas de cromos com jogadores que podem utilizar na vossa equipa fictícia. Uma carteira de cromos de Ouro (a melhor qualidade) custa 100 pontos FIFA ou 5000 moedas. As moedas são ganhas enquanto jogam e os pontos FIFA têm de ser comprados. O modelo mais barato é de 5 euros por 500 pontos FIFA, ou seja, cada carteira normal de ouro custa um euro.

Sinceramente, este modelo parece-nos bastante razoável. Não implica de forma nenhuma com os outros modos de FIFA, é antes um modo extra que foi criado de propósito para este modelo de negócio e todos os que o jogam já sabem ao que vão. Além disso, não é obrigatório comprar carteiras com dinheiro real e os preços são razoáveis.

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Micro-transações ou Mega-transações?

Mas estas micro-transações têm-se alastrado, quase que como uma praga. Hoje em dia é raro o jogo, sobretudo de grande dimensão, que não inclua uma forma ou outra de micro-transação. Jogos como Assassin's Creed IV: Black Flag, por exemplo, permitem que os jogadores comprem vários "atalhos", desbloqueando uma série de colecionáveis e poupando tempo aos jogadores, se assim o desejarem.

Alguns produtores já manifestaram opiniões sobre o assunto, mas um dos mais vocais tem sido Christofer Sundberg, fundador da Avalanche Studios, produtora de Just Cause e de Mad Max.

Sundberg afirmou que: "Micro-transações, subscrições e outros modelos de negócio semelhantes vão definir a próxima geração de videojogos. É assim tão simples." Mais tarde, Sundberg acrescentou que: "Nós [Avalanche Studios] nunca vamos comprometer em qualidade ou vender as nossas almas para ganhar um dólar fácil. Vão existir alguns exemplos muito maus [de micro-transações], mas também alguns muito bons. Eu não tenho a solução perfeita... ainda."

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Micro-transações ou Mega-transações?

Recentemente vimos alguns dos exemplos de que Sundberg refere, e alguns são realmente maus. Os títulos exclusivos de Xbox One foram inundados por micro-transações, com particular destaque para Ryse: Son of Rome e Forza 5 MotorSport.

Em Ryse: Son of Rome, os jogadores podem comprar formas de melhorar o soldado com dinheiro real e em Forza 5 MotorSport, é possível adquirir Tokens que podem ser trocados por carros. O número de Tokens necessário para cada veículo varia, e também podem ser adquiridos ao longo do jogo, mas se alguém quiser comprar o carro mais caro do jogo de imediato, o Lotus E21, terá de pagar 79 libras para o conseguir (algo como 95 euros).

Já a PlayStation 4 e os exclusivos respetivos, nomeadamente Knack e Killzone: Shadow Fall, não incluem micro-transações deste género, mas Gran Turismo 6, na PlayStation 3, inclui e não são nada simpáticas. À imagem de Forza 5 MotorSport, se quiserem comprar carros mais cedo, também podem pagar com dinheiro real. Para adquirirem o veículo mais caro do jogo, o Jaguar XJ13, novamente sem passar pelo processo normal, precisam de pagar quase 150 euros.

Estes são os exemplos mais visíveis e recentes, mas existem muitos outros, que apontam para uma geração recheada de conteúdo pago. Ou melhor, não só conteúdo extra, mas até formas de aceder mais rapidamente a conteúdo que já está incluído no jogo.

Micro-transações ou Mega-transações?Micro-transações ou Mega-transações?

Claro que se pode argumentar que só paga quem quer fazer batota, ultrapassando o processo natural, mas existe uma séria ameaça criada por estas micro-transações. Por exemplo, Gran Turismo sempre foi um jogo onde é necessário gastar muito tempo a correr e a repetir corridas para ganhar dinheiro e comprar carros. Mas com estas micro-transações que permitem acelerar o processo, será que as produtoras vão resistir à tentação de alargar ainda mais o processo natural do jogo?

Plants Vs. Zombies 2: It's About Time, para as plataformas móveis, é um fantástico jogo gratuito. Contudo, uma das nossas maiores queixas com o jogo é que este se repete e arrasta dolorosamente. Algo que pode ser facilmente corrigido se forem pagando para isso. Um exemplo de uma tendência que se começa a repetir nas plataformas móveis, onde os jogos "trancam" a experiência durante largas horas, para motivar os jogadores a dispensarem o dinheiro que acelera o processo. Imaginem que para avançarem na aventura precisam de pesquisar algo num laboratório ou algo do género, mas essa pesquisa demora 15 horas reais. Das duas uma, ou param de jogar durante essas 15 horas ou pagam dinheiro para acelerar a pesquisa.

Estes são jogos que foram claramente desenhados com micro-transações em mente, mas será que os títulos de 60 ou 70 euros vão resistir muito mais tempo a este tipo de design? E se o próximo Forza ou Gran Turismo for ainda mais exigente no tempo que têm de perder para ganhar dinheiro do jogo? E se os pontos de experiência necessários para subir de nível num RPG forem tão elevados que só pagando, ou passando por um "grind" interminável, é que conseguem evoluir o suficiente para continuar?

Percebemos que é necessário encontrar formas de lucrar com os videojogos, que as editoras precisam deste dinheiro, mas neste momento estão a entrar numa fase onde a ganância começa a ultrapassar largamente a boa vontade dos jogadores. Permitir que estas micro-transações afetem o design e a estrutura dos jogos, conscientemente ou inconscientemente, é um perigo real que pode assolar a nova geração e que é necessário, a todo o custo, evitar. Isso ou arriscam-se a colocar a indústria em nova crise. Como diz o ditado, "quem tudo quer, tudo perde."



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