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Disco Elysium

Disco Elysium

Este RPG apareceu do nada e virou-nos do avesso. Fenomenal.

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Acordámos num quarto escuro de hotel qualquer. As nossas roupas parecem ter passado por bastante: a gravata está presa à ventoinha do teto, as calças estão no chuveiro, e a camisa está atravessada numa secretária. As inúmeras garrafas de álcool no chão dizem-nos que alguém se divertiu aqui na noite anterior, talvez um pouco demais, já que a nossa personagem nem se lembra de quem é ou como foi ali parar.

Este é o primeiro jogo do estúdio ZA/UM, uma equipa que começou com 11 elementos, liderados pelo músico, escritor, e agora guionista de videojogos, Robert Kurvitz. O objetivo? Criar um RPG isométrico que, embora pequeno em termos de tamanho do mundo, é massivo no que diz respeito a narrativa e profundidade. Esse jogo chama-se Disco Elysium, e é soberbo.

Neste RPG vai assumir o comando de um agente da lei, e a premissa central visa resolver um homicídio no pequeno distrito costal de Martinaise, com o auxílio de um novo parceiro. A particularidade de Disco Elysium, é que cada um dos sentidos do protagonista falam com ele, e mesmo o seu próprio corpo - longe de ser um exemplo de boa saúde -, têm algo literalmente a dizer-lhe.

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Estes diálogos internos são fenomenais, mas não são os únicos. Vão conhecer uma série de personagens interessantes, e travar diálogos com muitas delas, mas o facto do corpo e dos sentidos invadirem os pensamentos do protagonista com as suas próprias ideias e sugestões, criam uma dinâmica interessante, que pode correr bem ou mal, dependendo do sentido em que confia. Algumas escolhas não o são realmente, já que dependem do rolar de dados e dos seus atributos, ainda que por vezes seja possível rodar os dados mais do que uma vez - apenas opções identificadas a laranja se ficam por uma tentativa.

Os quatro atributos são: inteleto, psicológico, físico, e capacidades motoras. Se não escolher uma base pré-definida, será por aqui que irá evoluir a sua personagem, e cada uma destas categoriais divide-se noutras seis sub-categorias. Tudo isto irá definir como irá progredir ao longo da aventura, em termos de interações com personagens e reações a diferentes contextos.

Disco Elysium

Os traços de inteleto e psicológico ajudam sobretudo com os diálogos, seja para mostrar simpatia com uma criança que vive nas ruas, ou para impor lógica militar a alguém que esteja a agir de forma irracional. Com estes atributos também terá um melhor entendimento dos seus arredores, como ser capaz de perceber o que dizem alguns grafitis, por exemplo. Quanto aos atributos físico e capacidades motoras, vão ajudá-lo a manter-se vivo, ou a ultrapassar situações que exijam maior esforço. Também permitem ameaçar alguém, levantar objetos pesados, e até ver melhor ao longe, já que a sua visão está incluída no lote.

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No nosso caso decidimos criar a nossa personagem a partir do nada, e colocámos a maior parte dos pontos nas duas categorias mais cerebrais. Isso ajudou-nos imenso em termos de diálogos, e a perceber certas situações, mas implicou que nos faltou força e destreza, o que em alguns momentos significou a nossa morte - ainda que normalmente de forma hilariante. Nota ainda para o facto de Disco Elysium permitir gravar a qualquer momento, o que ajuda a cometer alguma "batota", se quiserem repetir certas situações.

Todas as decisões e ações que tomar irão moldar a forma como o mundo em torno do protagonista olha para ele, desde completos estranhos aos colegas da esquadra, passando por inimigos e até Kim, o seu parceiro. Kim é uma ajuda preciosa, mas o laço que irá criar com o seu parceiro vai depender do seu comportamento. Se for uma besta corrupta, racista, e intoxicada, bem, não espere grande simpatia de Kim, que é alguém bondoso e com compaixão. No nosso caso optámos por seguir uma linha virtuosa e limpa, ainda que dura, já que manter o protagonista sem álcool e sem tabaco não é tarefa fácil, sobretudo quando todos os sentidos exigem o oposto e de forma frequente. Acima de tudo tentámos ser alguém com o desejo de realmente mudar a cidade para melhor.

Ocasionalmente surgem pensamentos na cabeça do protagonista, aos quais reagem os sentidos, uns de forma mais fervorosa que outros. Por exemplo, no início da aventura o nosso 'herói' tem a ideia de desistir da sua casa e tornar-se um sem-abrigo, que iria viver da recolha de garrafas na rua. O jogador, se quiser, pode tornar este pensamento num objetivo a cumprir a longo prazo, e existem muitos mais que pode aprender, "equipar", ou tentar cumprir. Alguns deles até acrescentam desvantagens até que materializem, mas quando isso acontece, normalmente têm o efeito oposto. Se, contudo, substituir uma ideia por outra, irá alterar as vantagens ou desvantagens, dependendo do pensamento. Mais à frente pode ganhar a capacidade de acrescentar mais pensamentos, e também pode colmatar a ausência de atributos com roupa, que também acrescenta características.

Estamos a falar de um jogo que é muito focado em diálogo, e que envolve muito leitura, a lembrar RPG da velha guarda como Planescape: Torment ou o Wasteland clássico. Não existe qualquer tipo de sistema de combate, ainda que possa morrer em algumas situações. Nós adorámos este formato, mas se procura algo mais virado para combate, deve evitar Disco Elysium. Dito isto, é um RPG extremamente bem escrito, com muitos momentos genuinamente hilariantes, interessantes, ou até desoladores.

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A forma como o texto descreve cada situação, e o ritmo dos diálogos, agarraram-nos a esta aventura de princípio ao fim. A sensação de liberdade que o jogo oferece, no sentido o que o jogador pode ser tantas coisas diferentes, dizer tantas coisas diferentes, e fazer tantas coisas diferentes, deliciou-nos, e lembrou-nos do real significativo de um Role Playing Game. Certa ocasião perdemos cinco horas a tentar abrir uma porta apenas com retórica, e nunca sentimos que fosse tempo perdido, pelo contrário.

O mundo de jogo em si é pequeno, mas conforme avança vai desbloqueando novas áreas para explorar, seja através de uma lanterna que permite ver para uma área escura, um pé-de-cabra que permite abrir um cadeado, ou utilizando um alicate para partir correntes num portão. Embora pequeno, o mundo está recheado de indivíduos interessantes e com grande diversidade de pensamentos em termos de política, moralidade, filosofia, e religião. Algumas desta personagens vão oferecer-lhe objetivos extra para cumprir, que normalmente valem a pena porque apresentam algo novo e interessante. Existem, contudo, muitos segredos nesta cidade, e nem sempre será fácil arrancá-los a esses indivíduos.

Disco Elysium é também um jogo que beneficia de um delicioso estilo visual, quando a lembrar uma pintura em aguarelas, mas com um toque de excentricidade, de podridão, e de personalidade. É um mundo vivo, que ganha ainda mais credibilidade graças a uma boa banda sonora e a um excelente design sonoro.

Quando começamos a jogar Disco Elysium, esperávamos um RPG de investigação, estilo Noir, mas encontrámos muito mais que isso. Disco Elysium conseguiu retirar de nós uma grande variedade de sentimentos, por vezes chegando a espantar-nos com as suas situações e diálogos. É original, escrito de forma brilhante, e muito interessante, e em cima disso tudo, é um verdadeiro RPG. Honestamente, um dos melhores jogos que jogámos em bastante tempo.

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10 Gamereactor Portugal
10 / 10
+
Narrativa estupenda. Guião soberbo. Sistema de níveis sensoriais é interessante. Objetivos secundários hilariantes, mas profundos. Excelente design e banda sonora.
-
Tivemos problemas com as definições do volume.
overall score
Esta é a média do GR para este jogo. Qual é a tua nota? A média é obtida através de todas as pontuações diferentes (repetidas não contam) da rede Gamereactor

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ANÁLISE. Escrito por Lisa Dahlgren

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