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Grand Theft Auto V

Como a Ubisoft está a formatar os jogos em mundo aberto

E os segredos que tornam Grand Theft Auto V num jogo em mundo aberto brilhante.

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Um bom jogo em mundo aberto (ou Open World/Sandbox, se preferirem) requer uma combinação muita específica de elementos. Para a criação de um jogo de qualidade dentro deste género cada vez mais popular, é necessário reunir uma série de ingredientes e fatores, mas existem três que são absolutamente cruciais para diferenciar os grandes jogos em mundo aberto: variedade, credibilidade, e imprevisibilidade. Isto considerando a experiência a solo em mundo aberto. Algo como World of Warcraft ou Destiny entra num campo completamente diferente.

Este género conheceu o grande ponto de arranque durante a geração de 128 bits, com o lançamento de Grand Theft Auto III. O jogo da Rockstar parecia algo inacreditável naquela era, e a indústria rendeu-se por completo às possibilidades que aquele jogo abriu. Com a caixa de Pandora aberta, a geração seguinte conheceu um acréscimo muito significativo de títulos em mundo aberto, mas foi já na atual geração que assistimos a um boom do género. Não só existem cada vez mais jogos massivos, como outros que seguiam estruturas mais lineares decidiram abrir os seus mapas. Grandes nomes como Metal Gear Solid e Witcher são dois exemplos.

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Isto significa que existem cada vez mais opções para quem aprecia jogos em mundo aberto, mas será que a qualidade acompanhou a quantidade? Nem por isso. Jogos como Assassin's Creed: Syndicate, Watch Dogs, Mad Max, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, Far Cry 4, Middle-earth: Shadow of Mordor e Infamous: Second Son, são exemplos de jogos passados em mundo aberto de boa qualidade. Todos eles têm os seus méritos, seja a jogabilidade, a história, o grafismo, ou a variedade de tarefas, mas a todos eles falta algo que os eleve para o patamar seguinte.

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O grande problema surge no formato que a Ubisoft começou a aplicar nos seus jogos, que parece estar a ser copiada por outras produtoras. A fórmula consiste em criar um mundo aberto massivo, dividi-lo por áreas, criar uma série de objetivos numa dessas áreas e depois copiá-los para as seguintes. Já todos conhecemos a rotina: entrar numa nova área, cumprir uma ação que mostre todos os objetivos dessa zona, e cumpri-los como se fossem uma lista de tarefas. É um formato que, em vez de criar um mundo onde o jogador possa coabitar, torna um mapa massivo numa gigantesca caça pelos 100% de conclusão do jogo. É uma autêntica cenoura que a Ubisoft, e outras produtoras, colocam à frente do jogador para o levar de área em área

O problema é que este tipo de formato começou a tirar mistério, vida e incentivo ao mundo de jogo. O jogador sabe sempre onde ir, e limita-se a ir de A a B cumprindo os objetivos, ignorando quase sempre a viagem e tudo o que se passa pelo meio. As produtoras esqueceram-se de como se criam mundos vivos e credíveis, preferindo criar mundos que estão lá para girar em torno do jogador. Existe pouca imprevisibilidade, e as personagens que preenchem o mundo parecem mais figurantes de um cenário de cinema do que cidadãos de uma sociedade.

Ao contrário de Grand Theft Auto V, que é na nossa opinião o melhor jogo em mundo aberto do mercado.

É possível que não se goste da história, da temática ou das personagens de GTA V, mas para o tópico em discussão, isso é irrelevante, porque não é por isso que GTA V é um brilhante jogo em mundo aberto. O que distingue o jogo da Rockstar dos restantes, é o facto de reunir os três pilares cruciais da experiência em mundo aberto como nenhum outro: GTA V é variado, credível, e imprevisível.

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O ser credível não significa realista. Um jogo pode passar-se num planeta diferente, ou num mundo de fantasia, e mesmo assim ser credível. Tem é de ser capaz de transmitir a ilusão de que é um local real, e GTA V é exímio nisso. Os habitantes de Los Santos mostram dezenas de comportamentos diferentes, com um dinamismo esmagador. Seja a falar ao telemóvel, a fazer exercício na praia, a tomar café ou a chamar um táxi, os seus comportamentos são credíveis. Mais ainda porque não são totalmente pré-programados. A inteligência artificial que governa o mundo de GTA V permite o desenrolar de inúmeras situações completamente aleatórias e inesperadas, muitas vezes sem necessitarem da intervenção do jogador.

Existe um vídeo, criado por Naswas, que é exemplo perfeito disto (podem vê-lo aqui). Naswas terá largado o comando para se ocupar de outras tarefas, mas não pausou o jogo, e o mundo fez questão de continuar sem a interferência do jogador. O que se segue é um espetáculo de tiroteios, acidentes, pedestres em pânico, ambulâncias a explodir e bombeiros desesperados para apagarem o fogo. Nesta sequência a inteligência artificial mostra que tem as suas falhas, tentado a reagir a todas estas condicionantes, mas também exibe o dinamismo das personagens e a forma como podem interagir entre si. Este tipo de credibilidade e imprevisibilidade são necessárias para manter o jogo sempre interessante. São este tipo de eventos que tornam a experiência de cada jogador única.

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Grand Theft Auto V tem também um mundo extremamente diverso, com muitas atividades para o jogador cumprir. Missões, corridas, tiro ao alvo, ténis, lições de pilotagem de avião, objetivos secundários... enfim, é uma lista bastante extensa de tarefas, que nunca se parece como uma folha de obrigações a cumprir. São objetivos que o jogador pode descobrir, que fazem parte do mundo, integrados de forma exímia. E os segredos são realmente secretos. Existem inúmeras referências, piadas, objetos e mistérios estão espalhados um pouco por todo o lado, e é o jogador que os terá de encontrar, seja porque decidiu caçá-los, ou porque esbarrou contra um.

Há um outro elemento que torna GTA V num jogo brilhante - a mudança de ritmo. Se passarem muito tempo num mundo de jogo, por muito interessante que seja, vai começar a surgir um sentimento de fadiga e saturação, se não existir algum tipo de intervalo. A Rockstar sabe isso, e a forma como dá a volta a essa situação é puramente genial. Como já devem saber, em GTA V vão jogar com três personagens: Franklin, Michael e Trevor. Durante o primeiro terço do jogo, só vão controlar Franklin e Michael, em Los Santos, cumprindo vários tipos de missões. É um mundo genial, mas como tantos outros jogos, GTA V também poderia começar a tornar-se desgastante. É aqui que acontece uma verdadeira jogada de génio - a mudança para Trevor.

Trocam as luzes brilhantes da cidade, pela imensidão do deserto. Os hipsters e famosos de Los Santos, pelos simplórios e traficantes de San Andreas. E os carros e motas topo de gama por carrinhas e buggies poeirentos e enferrujados. Num único golpe, a Rockstar muda por completo a localização, as personagens, o ritmo da história, as atividades e o ambiente. Tudo muda num ápice. E quando mais tarde regressam a Los Santos, já não existe um sentimento de saturação, mas de familiaridade e conforto. Esta mudança de ritmo de GTA é um verdadeiro golpe de génio da Rockstar, que é só possível quando a produtora guarda vários trunfos na manga. Se mostrarem quase tudo o que há a saber sobre um jogo nas primeiras três horas, há pouco que o possa surpreender durante as 30 seguintes.

É difícil igualar a qualidade do mundo criado pela Rockstar, porque além de talento, é necessário um investimento tremendo e vários anos de produção, mas é possível aprender com GTA V, e mais importante ainda, é possível aprender com os erros que muitos jogos estão a cometer - a maioria provocados pela formatização que a Ubisoft está a fazer aos seus jogos em mundo aberto. Assassin's Creed, Far Cry e Watch Dogs são três séries que merecem voltar a ter o destaque de outrora, mas para isso é preciso vontade de mudar.

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