Kentucky Route Zero

Há que confessar que a nossa primeira impressão de Kentucky Route Zero não foi a mais positiva. Muito diálogo, misturado com mecânicas simples e aparente ausência de consequências, levou-nos a um esforço só para acabarmos o primeiro ato, mas persistimos. Temíamos que continuássemos aborrecidos durante o resto da aventura, mas felizmente não foi isso que aconteceu.

Conway é o protagonista desta aventura, um jovem que trabalha como motorista de uma boutique de antiguidades. A companhia, infelizmente, está prestes a entrar na falência, mas Conway faz questão de entregar a última encomenda que leva no seu camião. O primeiro objetivo é portanto encontrar 5 Dogwood Drive, um endereço que quase ninguém parece saber onde é. Os poucos que sabem informa-no que fica na Route Zero da auto-estrada.

Kentuchy Route Zero é o tipo de jogo em que o jogador pode moldar a sua personagem através de decisões, mas não estará sozinho nesta jornada. Conway faz-se acompanhar por um cão, mas a sua idade avançada impede-o de se mexer como antigamente. O curioso é que a história do cão não é definida pela narrativa, mas antes pelo jogador conforme avança a aventura. É um jogo com vários elementos moldáveis, mas não é um jogo com grandes consequências. A narrativa segue um traço linear, que não é realmente afetado pelas escolhas do jogador.

Gostaríamos de ter tido mais impacto no mundo, e também de ter visto mais algum dinamismo, já que o jogo nem sequer tem puzzles. Ou seja, se está à espera de aventura clássica ao estilo de Monkey Island, vai ficar desiludido. Em cima disso, o jogo recorre demasiado aos diálogos, o que torna a aventura algo cansativa, sobretudo durante o primeiro ato, onde ainda estávamos a conhecer o mundo e as personagens. Mas, à medida que nos íamos familiarizando com o mundo, a história, e as personagens, começamos a ficar agarrados a esta aventura obscura com design simplista.

Kentucky Route Zero tem um tom surreal, quase absurdo, mas faz parte do charme do jogo. Por exemplo, a certo ponto entrámos num edifício que tinha um andar totalmente habitado por ursos. Noutra ocasião vimos uma águia gigante que seria capaz de mover casas. É um jogo cheio de situações abstratas e simbolismos, mas são os momentos bem reais que realmente atingem o jogador. Cada personagem tem o seu próprio passado e cruz para carregar, e isso vai afetando a atmosfera do jogo.

Existiram vários momentos em quem parámos simplesmente para pensarmos nas situações em que as personagens se encontravam, gradualmente mais imersos nesta narrativa escrita com qualidade (salvo os diálogos em excesso). É também um jogo sem medo experimentar, e isso mantém a experiência fresca ao longo de toda a aventura. Poucos jogos conseguem representar relações e filosofias de forma tão pessoal.

Kentucky Route Zero tem os problemas que já referimos, como o primeiro ato difícil de ultrapassar, os diálogos excessivos, e o impacto reduzido das escolhas do jogadores. Também existem problemas de ritmo, e o visual, embora tenhamos acabado por adorar, não será para todos os gostos. Mas o que importa é que, apesar de tudo isto, ficámos impressionados com a experiência proporcionada por Kentucky Route Zero, e o jogo perdurou no nosso pensamento bem para lá dos créditos finais.

É um jogo que não tem medo de atirar alguns 'socos' valentes ao jogador, com temáticas que realmente importam, e algumas das cenas que experienciámos deixaram-nos completamente agarrados ao ecrã - outras deixaram-nos a olhar para o chão, envolvidos no nosso pensamento. Maiores valores de produção e algumas correções, podiam elevar Kentuchy Route Zero para patamares ainda mais altos, mas mesmo sem ter atingido todo o seu potencial, é uma experiência obrigatória para quem aprecia boas narrativas com temas terra-a-terra.