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Kickstarter - Fim da linha?

Depois da febre inicial, começam a faltar investidores, enquanto olhamos para alguns casos de sucesso e insucesso.

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Em 2013, a plataforma para financiamento público do Kickstarter conheceu o pico da popularidade, mas 2014 tem sido diferente. Basta olhar para os primeiros seis meses deste ano e comparar com o mesmo período do ano passado. Se em 2014 foram reúnidos 13 milhões de dólares para financiamento, em 2013 esses números ultrapassaram os 58 milhões de dólares. Curiosamente, o dinheiro investido desceu substancialmente, mas o número de projetos aprovados não conheceu um declínio correspondente. Parece antes que os grandes projetos, como sequelas ou conceitos já estabelecidos que pedem fortunas, deram lugar a ideias inovadoras e jogos originais com menores exigências de orçamento.

"O número de projetos associados a videojogos até subiu em comparação com o mesmo período do ano passado. A missão do Kickstarter passa por dar vida a projetos criativos - nessa perspetiva tem sido um excelente ano," afirmou David Gallagher, representante do Kickstarter.

Por outro lado, existem produtores que acreditam que o Kickstater entrou em declínio. Recentemente a produtora de The Case of Charles Dexter Ward, baseado na obra de H.P. Lovecraft, não conseguiu atingir o seu objetivo de 250 mil dólares (na verdade, nem metade disso conseguiram). A forma como o Kickstarter funciona, é que se o objetivo não for atingido, todo o dinheiro oferecido como financiamento é devolvido aos financiadores. Agustin Cordes, da produtora Senscape Studio, não teve papas na língua em relação ao falhanço no Kickstarter:

"Não queria acreditar [que tinham falhado o objetivo], porque eu adorava a ideia de crowdfunding, mas não há maneira de circular a questão: estamos a experienciar o seu declínio. Seria diferente se a nossa campanha tivesse sido um caso isolado de má sorte, mas não é - desde pequenas equipas com objetivos modestos, a grandes nomes com projetos conceituados, estamos a ver um cenário pouco animador com muitas campanhas falhadas, sobretudo porque há uma falta de interesse. Atenção que eu estou a falar de falta de interesse na iniciativa de crowdfunding e não nos jogos em si, que têm ainda assim recebido excelente feedback. Outubro, em particular, foi um mês muito mau para o Kickstarter, possivelmente o pior de sempre, e era suposto ser o segundo mês do ano que atrai mais financiadores."

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The Case of Charles Dexter Ward - um jogo que, para já, não vai conhecer a luz do dia.

Não são novos, os casos de grandes projetos que não conseguiram atingir os seus objetivos, e até existem alguns projetos que alcançaram números muito interessantes, incluindo Kingdom Come: Deliverance da Warhorse Studios, que motivou um financiamento bem acima do milhão de dólares para a criação de um RPG em mundo aberto na Europa medieval. Amplitude, da Harmonix, também arrecadou 850 mil dólares, enquanto que outras campanhas de grande sucesso incluem The Universim, Pathologic e Superhot.

Mas como se comparam estes casos para projetos mais recentes no Kickstarter? Um desses exemplos é o promissor Robots vs Cthulhu, um jogo de estratégia da Human Resources.

O financiamento foi cancelado ainda a meio da campanha, já que o dinheiro angariado estava muito aquém dos desejados 1.5 milhões de dólares. A campanha até recebeu muita atenção, mas tinha alguns elementos contra, a começar pelo projeto anterior da produtora, Planetary Annihilation, que tinha vários problemas e demorou bastante tempo a ser produzido. Também nos parece que pedir um milhão e meio por algo que não tem uma base sólida de fãs, é algo irrealista.

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Em caso oposto temos o imaginativo Elegy for a Dead World, que permitirá explorar civilizações extintas e escrever histórias de ficção sobre esses povos. É um projeto muito curioso, proposto como uma colaboração da Dejobaan Games (do jogo com o ridículo título AaaaaAAaaaAAAaaAAAAaAAAAA!!!, e de A Reckless Disregard for Gravity) com a Popcannibal. O projeto conseguiu recolher acima dos 72 mil dólares, enquanto o objetivo definido era de apenas 48 mil.

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Elegy for a Dead World - um jogo financiado via Kickstarter. Impact Winter ainda tem hipótese, mas a situação está tremida.

Impact Winter, um jogo da Mojo Bones que é uma aventura de sobrevivência num cenário pós-apocalíptico, ainda tem a campanha ativa aquando da publicação deste artigo, mas com apenas alguns dias para o término da campanha, só conseguiram recolher 17% do dinheiro necessário para viabilizar o projeto.

Curiosamente, o Kickstarter recebeu dois projetos quase em simultâneo, ambos de antigos membros da Irrational Games (Bioshock). The Flame in the Flood, da Molasses Flood, e The Black Glove, da Day for Night Games.

The Flame in the Flood atingiu o seu objetivo de 150 mil dólares em poucos dias, e está agora a tentar alcançar metas mais ambiciosas (o modo extra Endless parece provável, mas a proposta de 300 mil dólares para uma versão PS4 será mais complicada de atingir).

"Penso que o nosso sucesso no Kickstarter será muito importante para o futuro da companhia," afirmou Forrest Dowling, Designer principal da Molasses Flood. "Ter um projeto de grande perfil ser bem sucedido no Kickstarter, implica que a indústria de videojogos vai olhar para nós de outra forma, e abre ainda mais portas para o futuro. Isto pode ser na forma de pessoas que nos abordam para ajudarem, ou até da própria imprensa, que passa a ter mais interesse e começa a falar dos nossos jogos. Por outro lado, se falharem, estarão também mais expostos na indústria. O jogo continuará a precisar de financiamento, mas as pessoas que o podem fazer vão saber que estão encostados às cordas."

Um analista acredita que parte do declínio do Kickstarter se deve ao programa de Acesso Antecipado do Steam.

Dowling também falou do assunto, referindo o seguinte: "Verificámos várias formas de procurar financiamento, enquanto considerávamos o Kickstater. O Earley Access é interessante, mas para seguir essa rota é necessário já ter um jogo jogável e sólido. O Kickstater é muito mais eficaz se tudo o que têm é um conceito interessante, mas precisam de demonstrar que têm a capacidade para o realizar. Penso que o Kickstarter e o Acesso Antecipado do Steam não são de forma algumas exclusivos um do outro. Aliás, muitos dos financiadores do nosso projeto estão a pedir acesso antecipado como recompensa pela aprovação do jogo. O Kickstarter é uma grande ajuda a qualquer momento de produção, enquanto que o Acesso Antecipado só é viável para a fase final."

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The Flame in the Flood.

The Black Glove, por outro lado, não obteve o mesmo nível de sucesso, em parte porque o objetivo previsto é mais ambicioso. Descrito como uma experiência na primeira pessoa "surrealista," passada na década de 1920, The Black Glove mostra mais do passado da equipa com Bioshock do que The Flame in the Flood. A poucos dias da conclusão da campanha de financiamento, The Black Glove está muito longe do objetivo de 550 mil dólares.

Além de terem definido uma meta muito ambiciosa, a produtora não foi muito clara na descrição do projeto, embora isso tenha sido propositado:

"Pensar numa forma de apresentar um jogo com uma história surreal e mecânicas de jogabilidade pouco convencionais, foi um grande desafio," admitiu Joe Fielder, diretor criativo do projeto. "Se descrevermos demasiado, arriscamos a ruína do mistério. Se mostrármos pouco, corremos o risco que as pessoas tirem conclusões erradas e precipitadas. É algo que estamos a tentar melhorar."

"Estamos a trabalhar num trailer novo que se concentra na atmosfera e na experiência momento a momento. Estes são dois elementos que as pessoas pedem para conhecerem melhor, e nós achamos que é melhor mostrar do que dizer. Esperemos que isso possa convencer potenciais financiadores, e que isso nos ajude a fazer este jogo estranho e original."

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The Black Glove.

Brian Fargo, produtor de Wasteland 2 (RPG à antiga de grande qualidade), afirmou o seguinte: "Para nós foi fantástico, devido à natureza de como tudo funciona, especialmente em contraste com outras formas de financiar o jogo, seja através de uma editora ou de um investidor. Normalmente é preciso mostrar resultados e estabelecer metas. Temos de provar constantemente que sabemos o que estamos a fazer."

"Gastamos 30 a 35% da nossa energia a tentar receber, ou a provar algo. E depois gastamos outros 30% a tentar perceber o que fazer a seguir. Se não tivermos um projeto seguinte já bem definido a meio da produção corrente, é provável que ninguém mantenha o emprego. Com crowdfunding, o dinheiro vem de imediato e as pessoas confiam no nosso trabalho. Assim podemos gastar 95% de toda a energia a pensar em formas de melhorar o jogo. Tem sido uma excelente experiência para todos. O Acesso Antecipado é a mesma coisa."

Outro veterano da indústria que também aproveitou o Kickstarter foi Julian Gollop, de XCOM. O seu projeto recente foi Chaos Reborn, uma reimaginação do Chaos original, que foi financiado com sucesso em abril passado. Gollop teve o seguinte a dizer sobre o Kickstarter:

"Penso que é fantástico. Tem o seu próprio conjunto de riscos e responsabilidade, mas ainda prefiro esta abordagem, porque ficamos obrigados a corresponder a um grupo apaixonante de consumidores, que permite estabelecer uma ligação direta aos jogadores. Isso é muito precioso, porque eles podem contribuir imenso."

Confiança parece ser uma palavra chave, e alguns dos falhanços mais recentes do Kickstarter (em que as produtoras não conseguiram cumprir com o que tinham prometido), pode ter quebrado a confiança de forma a justificar a quebra nos investimentos. Ainda assim, o Kickstarter veio para ficar.

"A nossa comunidade de financiadores nunca foi tão forte, e toda esta forma de dar vida aos videojogos está ainda na sua infância. O melhor está ainda para vir," acredita David Gallagher do Kickstarter.

Se o Kickstarter está a chegar ao fim da linha, ou se está mais forte que nunca, parece depender sobretudo do ponto de vista. Por aqui, tudo o que temos a certeza é que, para melhor ou pior, o Kickstarter de hoje é um Kickstarter diferente de há dois anos.

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Da esquerda para a direita: Broken Age, Elite: Dangerous, Star Citizen e Godus.
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Da esquerda para a direita: Wasteland 2, Torment: Tides of Numenera, Pillars of Eternity e Mighty No. 9.


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