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Rime - Uma Visão Artística

Raúl Rubio: "Há quem defenda que Journey não é um jogo. Mas se gostaram da experiência, então qual é o problema?"

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Rime é um exclusivo de PlayStation 4, que está a ser produzido aqui bem ao lado, pelos espanhóis da Tequila Works. Apresentado originalmente na Gamescom de 2013, Rime chamou a atenção dos presentes graças a uma palete de cores vibrante e um estilo que lembrou muitos jogadores de nomes como Ico ou The Legend of Zelda: Wind Waker. Recentemente, um dos nossos colegas locais - José Manuel Bringas - teve a oportunidade de entrevistar o diretor Raúl Rubio, numa entrevista transcrita em baixo.

Primeiro que tudo, pode apresentar-se para os nossos leitores?

Olá pessoal do Gamereactor! O meu nome é Raúl Rubio e sou o Diretor Criativo da Tequila Works e o diretor de Rime.

Pela segunda Gamescom consecutiva, Rime impressionou, e agora estão a fazê-lo de novo no evento Madrid Games Week. Como surgiu o conceito para este projeto?

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O projeto nasceu sobretudo como uma ideia original de José Luis Vaello, o nosso diretor artístico, que é mais conhecido pelo seu contributo a Castlevania: Lords of Shadow e Blade: The Edge of Darkness. A nossa intenção passa por transmitir sensações de solidão e de descoberta, normalmente associadas a filmes clássicos como Os Argonautas, e combinar isso tudo numa experiência infantil na costa mediterrânea. Esta sensação de estar num mundo que não inspira medo, e onde está sempre presente a curiosidade de ver o que está além. É uma mistura muito única. Algo com elementos de ação e de puzzles, num ambiente que para nós pode ser rotina, mas que será exótico para outras pessoas.

Não estamos a falar de praias ao estilo das Caraíbas ou uma história inspirada em mitologia nórdica. O que queremos é explicar algo que para nós é parecido com a sensação de estar em casa. Queremos fazer o jogo seguindo as influências de artistas como Joaquín Sorolla, o que para nós [espanhóis] pode ser muito típico, mas não se enganem, ele é um mestre...

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É portanto uma sensação parecida a visitar o museu Prado [Madrid] e entrar numa sala cheia de pinturas de Diego Velásquez?

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Exato. Olham para A rendição de Breda" e pensam: "é igual a algo que eu vejo todos os dias." Mas na verdade, é algo de extraordinário. E Joaquín Sorolla é também um grande mestre, alguém famoso em todo o mundo como "O Pintor da Luz". É esse o tipo de luz que queremos no jogo, a luz do mediterrâneo. Não é uma luz cintilante ou uma luz chiaroscuro, é uma luz cobre tudo com cores tipo pastel, onde o preto não existe. É uma luz que confere um certo sentimento de inocência e um tipo de movimento específico. Rime é sobre voltar a sentir o que sentíamos quando tínhamos oito anos.

Já falou do tipo de sensações que Rime poderá invocar, e a composição visual, mas que tipo de mecânicas de jogo vos inspiraram?

É engraçado, porque as referências podem ser mais clássicas do que se calhar podiam supor. Fomos atrás dos clássicos, em parte porque José Luis foi responsável pelo design de Blade: The Edge of Darkness [se não conhecem, era tipo Dark Souls, mas feito há 20 anos]. Retirámos algo dessa experiência: não o estilo de cortar cabeças, obviamente, mas a ideia de que cada encontro conta. Não existem combate em Rime, mas vão ter sempre a sensação de que não são um herói invencível. Vão querer explorar e progredir, mas terão consciência de que não será um percurso fácil.

Neste caso particular, pensámos em criar um mundo aberto, embora não num estilo tipo Skyrim. Algo mais restringido e contido. Por exemplo, terão de percorrer o mundo a pé. Ainda assim, isso não significa que seja um mundo banal. Quando se é criança, mesmo que sejamos praticamente impotentes para nos defendermos, não temos consciência dos perigos. Um miúdo vai sempre tentar trepar uma parede ou uma árvore. Neste caso, ao ver uma torre misteriosa, tem de fazer de tudo para lá chegar. Já agora, a torre não é o fim do jogo, pelo contrário, é o princípio, apesar de não parecer isso nos trailers.

Algumas pessoas que ainda não jogaram Rime afirma que se parece com Ico, Shadow of the Colossus ou The Legend of Zelda: The Wind Waker, provavelmente por causa do aspeto. E isso é verdade, já que Ico é uma das nossas inspirações. Não apenas porque o sistema de animações de Ico e Shadow of the Colossus são excelentes, mas devido à sensação de vulnerabilidade de que já falámos. Ico transmitia realmente o sentimento de ser criança, e embora inclua algumas armas, o que define realmente a vossa relação com o jogo é Yorda [rapariga que ajudam durante todo a aventura em Ico]. Quando estão separados, são bastante mais fracos, mas juntos são poderosos.

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Em termos de jogabilidade, temos centenas de referência. Por exemplo, no género de plataformas, Jax and Daxter foi uma inspiração óbvia, embora Rime não seja um jogo típico de plataformas. Não queremos desencorajar o jogador ou criar uma experiência de vence-ou-perde. Queríamos criar uma experiência que possa evoluir pouco a pouco. Uma experiência que, no fim, deixe uma boa sensação. Mas Rime não é tanto sobre ser inspirado por outros jogos: as suas raízes são literárias e artísticas.

Ainda assim, se tivesse de escolher um jogo como influência, escolheria um que ninguém iria perceber: The Room, da Fireproff. Rime não é necessariamente um jogo de puzzles, embora existam alguns em que terão de utilizar elementos originais, como a luz ou a perspetiva. Mas The Room também não é um jogo de puzzles, é um jogo Lovecraftiano. Um jogo onde existem tentáculos e dimensões paralelas. Num certo ponto podíamos dizer que Rime é como The Room, mas numa ilha, embora isso possa dar a impressão errada. Nós chegámos a falar com Barry, o criador de The Room, e ele deu-nos algumas sugestões para a produção de Rime. E este tipo de inspiração tem-se repetido bastante.

É engraçado que tenhamos recebido tanto feedback de pessoas na indústria. E parece que as pessoas estão ansiosas para que o jogo seja lançado o mais rápido possível. Para nós, esse é o maior elogio que já recebemos - além da comparação ao trabalho de Fumito Ueda [Ico, Shadow of the Colossus].

Nesta nova era digital, parece existir muito mais liberdade para os criadores fazerem o que querem. Isto levou a que vários jogos tentem novas abordagens artísticas, como Child of Light ou Ori and the Blind Forest. Qual é a vossa posição neste movimento?

Penso que é uma questão de gosto e maturidade. Não nos devemos esquecer que os videojogos, como meio, ainda estão na sua infância, mas estamos a chegar ao ponto que marca o fim dessa infância. E não nos devemos esquecer que a seguir vem a adolescência, não a maturidade. É uma era de transformações e de muitas perguntas. Até agora temos-nos safado a acender bombinhas e a fazer as pessoas rir. E isso é bom, é necessário, mas ao crescermos começamos a questionar o nosso papel no mundo, e penso que é isso que os produtores de jogos estão a começar a questionar.

É curioso que tantos produtores de grandes produtoras estejam a passar para o plano inferior. Não estão a tentar entreter, como no passado, mas estão antes a tentar encontrar os limites dos videojogos como meio. Onde é a fronteira? Por exemplo, jogos como Human Resources, um projeto no Kickstarter onde existem dois lados opostos governados por máquinas, em que a humanidade é o recurso mais importante. Isso seria impossível de acontecer há uns anos. Ninguém iria aceitar um jogo onde teriam de sacrificar humanos.

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Este tipo de conceito de jogo alternativo está a crescer e isso está a distanciar-nos do sistema de Hollywood, que era o futuro apocalíptico da indústria que alguns temiam. Este salto de fé é baseado no feedback das grandes séries, que são cada vez mais caras e temem cada vez mais sair da zona de conforto. Esta área é o oposto total da criatividade. Pensa-se mais em economia do que nas ideias, e tem de ser assim, porque se um jogo correr mal porque decidiram inventar, toda a equipa será despedida.

Isto fez com que surjam cada vez mais pessoas a fugir da engrenagem, pessoas que querem ser autores de jogos. Nós somos os nossos próprios maiores críticos, não são os jogadores. E se existe alguém que é capaz de apreciar um Call of Duty, isso não significa que não possam apreciar também algo diferente. Esta indústria está cheia de gente criativa: gente inteligente e até um pouco doida. Mas quando é preciso ponderar orçamentos, processos de produção e liderar uma equipa que depende de nós... é complicado. Este modelo independente permite atuar de forma diferente. Há quem defenda que Journey não é um jogo. Mas se gostaram da experiência, então qual é o problema?

Uma última questão sobre o jogo. Falou muito sobre a vossa inspiração, mas tudo isso existe num plano bidimensional, enquanto que Rime é a 3D. Como foi a adaptação?

Rime é um jogo que tem a sua própria história, a sua própria palete. Esta palete evoluiu conforme avançam pelo jogo, e existem vários elementos icónicos. Tem uma linguagem visual que combina design e arte... Existe uma espécie de bíblia de arte que nos explica como as coisas funcionam, algo que define as regras. Quando o principal motivador para o nosso jogo é a arte, então é preciso aprender muitas destas regras. É surpreendente o quanto os artistas nos podem ensinar sobre fazer um bom jogo.

Além disso, embora se passe num mundo a três dimensões, Rime tem muitos mais elementos que as pinturas, que ajudam a aumentar a imersão, elementos como a atmosfera e os efeitos sonoros. Faz tudo parte de um conjunto e a responsabilidade do jogador é desvendá-lo. O feedback das poucas pessoas que já o experimentaram é muito positivo e estamos ansiosos que todos o possam experimentar.

Se gostam de exploração, vão adorar Rime. Mas se gostam de matar monstros, não vão encontrar isso aqui.

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