Português
Gamereactor
especiais

Videojogos e violência: O Bode Expiatório

Suzanne Berget, do GR Noruega, reflete sobre os preconceitos direcionados à indústria, na perspetiva de um país cuja maior tragédia moderna foi atribuída aos videojogos.

HQ

Em 1951, a Little Brown and Company publicou um livro sobre um rapaz solitário com palavrões fáceis, que procurava o seu espaço no mundo. O livro chamava-se Catcher in the Rye (Uma Agulha num Palheiro, em Portugal) e foi banido de várias escolas nos EUA. Aparentemente era uma má influência para os estudantes. O livro foi mais tarde ligado aos homicídios de John Lennon e Rebecca Schaeffer, bem como à tentativa de assassinato de Ronald Reagan, alimentando ainda mais a crescente contestação do público em geral e dos media.

Em 1994, três adolescentes de West Memphis foram condenados à prisão perpétua, pelo assassinato de dois rapazes locais. Nenhum deles tinha uma cópia de Catcher in the Rye, mas eram todos rapazes solitários que ouviam Black Metal, vestiam-se de negro e tinham manifestado interesse no oculto. As provas encontradas eram circunstanciais, na melhor das hipóteses, mas a polícia e a população local acreditaram que os três adolescentes eram os que mais facilmente podiam ter cometido os crimes, pelos motivos citados em cima.

Então mas que tem tudo isto a ver com videojogos? Avancemos alguns anos, até 1999, quando dois rapazes planearam e executaram o que é hoje conhecido como o Massacre da Escola Secundária de Columbine. A media destacou o facto dos rapazes serem góticos, de ouvirem Marilyn Manson e de serem grandes fãs do filme Assassinos Natos. Também gostavam de jogos como Doom e Wolfenstein 3D. Isto reacendeu, sem surpresa, o debate sobre a (má) influência de jogos, filmes, música... e agora também, videojogos.

Em 2012 a Escola Secundária de Sandy Hook, em Connecticut, também foi alvo de um massacre. O assassino, Adam Lanza de 20 anos, foi retratado nos media como um fanático de Call of Duty, e também foi realçada a semelhança da arma utilizada no crime com uma que está no jogo. O facto de Adam também gostar bastante de Dance Dance Revoluton e de Super Mario Bros é raramente mencionado.

Publicidade:

Há três anos, em Utøya, Noruega, no dia 22 de julho de 2011, Anders Behring Breivik realiza o maior ataque terrorista na história do país. Aftenposten e o The Telegraph repetem insistentemente que Breivik passava algo como 16 horas a jogar World of Warcraft e Call of Duty.

Existem muitos outros exemplos destas conotações negativas aos videojogos, inclusive mais recentes.

Videojogos e violência: O Bode Expiatório
O género de ação na primeira pessoa está entre os mais populares da atualidade, mas existe uma grande variedade de outros jogos que os media parecem esquecer, mas felizmente as escolas norueguesas estão a começar a perceber o valor dos videojogos. Um bom exemplo disso é a Escola Secundária Nordahl Grieg, onde os professores utilizam The Walking Dead, da Telltale Games, para discutirem valores e ética com os seus alunos.

Os media em geral acusaram os livros, a música e os filmes, mas recentemente viraram as atenções para os videojogos como os influenciadores destes atos de grande violência. Isto apesar de nenhum teste até hoje realizado ter provado uma relação real entre jogos violentos e a predisposição para cometer atos violentos. Pelo contrário, os estudos comprovaram que os videojogos estimulam várias partes do cérebro; melhoram o tempo de resposta, a percepção do espaço e o planeamento. Apesar disso, apesar dos jogos se torem tornado mais sociais e comuns, apesar de uma grande porção dos jogadores serem agora mulheres, apesar de muitos jogadores estarem na casa dos 30 anos, e apesar de seis entre cada 10 jogadores preferir jogar com amigos, os media continuam a estereotipar os jogadores como adolescentes, masculinos e antissociais.

Publicidade:

Como é evidente nos exemplos supracitados, o ato de culpar os hobbies triviais de um criminoso pelos seus atos não é algo de novo. A geração mais velha irá sempre olhar com cepticismo para os gostos "estranhos" da geração mais nova. Diz-nos a história que o próprio Platão, que viveu centenas de anos antes do nascimento de Cristo, aconselhava as pessoas contra o perigo da escrita. Ele acreditava que isso iria retirar o contexto às ideias e que afetaria a habilidade das pessoas para memorizarem informação (o que diria dos computadores e dos Smartphones? Qual foi a última vez que memorizaram um número de telefone? Exato). Conclusão, irá sempre existir um bode expiatório e neste momento, são os videojogos. A grande questão é: porquê?

Os peritos afirmam que se deve ao desconhecimento dos media e do público em geral em relação às "novidades", neste caso, os videojogos. Quando foi questionado sobre o assunto, Anders Sundnes Løvlie, professor na universidade de Gjøvik, afirmou o seguinte:

"O ser humano normalmente classifica o desconhecido como ameaçador e perigoso. Nós estamos 'programados' para nos sentirmos dessa forma, mas é isso assim tão estranho? Num mundo tão vasto e perigoso, é normalmente aconselhável a ter cautela perto de situações que não sejam familiares, mas isto também nos leva a uma predisposição para exagerar os perigos de algo novo. Isto pode levar-nos a reações exageradas, dessa forma ignorando os possíveis benefícios de um novo meio."

A verdade é que a maioria das pessoas que culpam e temem a influência dos videojogos, não são jogadores. Não sabem o que forma a experiência de jogar e são ignorantes ao facto de que os jogos envolvem muito mais que violência e tiros - inclusive os jogos de ação na terceira pessoa. Têm uma noção preconcebida de como são os jogadores e os tipos de jogos que jogam. Esta ignorância e preconceito facilita o ato de endemoninhar os jogos violentos e quem os joga. Para eles, os criminosos referidos em cima e os jogadores são potencialmente os mesmos. Isso não é, obviamente, verdade.

Videojogos e violência: O Bode Expiatório
Jogos como Journey e Fez mostram-nos que os videojogos têm muito mais para oferecer além de violência e tiros, mas são convenientemente esquecidos pelos media.

Além do fator "desconhecido", também existe a necessidade de apontar um dedo acusador a algo ou alguém quando eventos terríveis acontecem. Tem de existir um motivo para alguém escolher assassinar outros, preferencialmente que não seja pela simples razão de que podiam, porque queriam ou porque exista essa oportunidade. Tem de existir um motivo extra, um fator motivador externo. Isto é algo que, segundo Kim Johansen Østby da Universidade de Oslo, é por demais evidente:

"Os videojogos já tiveram de carregar esse fardo consecutivamente. Os media têm uma influência poderosa no raciocínio do público quando algo de negativo acontece, embora não tanto no dia-a-dia. A ideia de que os videojogos são negativos é reforçada com cada ligação que os media conseguem estabelecer com estes casos, o que por sua vez cria um processo de raciocínio de que os jogos são realmente os culpados. E assim continua a bola de neve a crescer."

"Isto é obviamente problemático, porque retira a atenção de fatores que são provavelmente mais interessantes e relevantes, como a sua educação, a sua relação com a família ou amigos, a sua condição no trabalho ou na escola, etc. É muito mais fácil encontrar um bode expiatório externo do que encontrar fatores individuais e internos. É muito mais fácil culpar um produto."

Felizmente, para a indústria de videojogos, parece que os media começam a dar algo descanso a esta teoria de que os videojogos são os culpados. Cada vez mais pessoas jogam e no futuro a tendência é para que a maioria das pessoas esteja familiarizada com esta forma de entretenimento.

São cada vez mais as publicações que incluem secções dedicadas a videojogos, e no futuro, é provável que vários dos jornalistas que cobrem estes casos sejam, também eles, jogadores. Terão experiências pessoais com esta forma de entretenimento e poderão ponderar com maior eficácia a sua influência real.

No caso mais particular da Noruega, os videojogos são já classificados como "cultura" e existem vários fundos e estipêndios dedicados ao apoio e à produção de videojogos. Também são cada vez mais os professores que começam a ver o valor educativo dos videojogos e estão a integrá-los nas suas aulas de formas interessantes.

Maren Agdestein, fundador do site de videojogos Spillpikene.no, acredita numa mudança de atitude num futuro próximo, apesar de ainda existir muita negativismo atualmente:

"Os fatores pelos quais os media mais populares apontam os videojogos como os gatilhos destes crimes violentos, não estão necessariamente de acordo com o que as pessoas realmente pensam. Uma história num tabloide é simplificada, porque é suposto vender o jornal e a história num espaço muito curto de tempo. Às vezes pode ser assim tão simples."

Faltin Karlsen, professor de Estudos de Media na Escola de Informação Tecnológica da Noruega, vai mais longe, afirmando que os jogos, não só são os culpados, como até é a situação inversa:

"As estatísticas de crimes na maioria dos países ocidentais mostra que os crimes violentos estão a baixar. Nos EUA, por exemplo, o número de assaltos, roubos, homicídios e violações estão a baixar desde 1994. Em contraponto, as vendas de videojogos têm crescido explosivamente."

Isto não significa, contudo, que todas as críticas feitas aos videojogos devem ser ignoradas. Nem significa que os videojogos não podem ter qualquer tipo de influência, embora não exista uma ligação óbvia. Existem indivíduos que são de facto viciados em videojogos, de uma forma que não é saudável, embora isso não inclua a maioria dos jogadores. Como tudo na vida, os videojogos têm as suas vantagens, mas também as suas desvantagens, e nós, como jogadores, precisamos de ter uma visão mais ampla da questão e estar alertas para o problema.

No caso de Breivik, chegaram a defender a tese de que não seria capaz de tomar conta de si e logo, não estaria apto para a prisão. Contudo, uma investigação perante a sua atividade nos videojogos provou o contrário, quando os seus colegas numa Guild do World of Warcraft testemunharam que Breivik era de facto um jogador talentoso, estratégico e inteligente. Este testemunho foi crucial para que Breivik fosse julgado como um criminoso.

Por último, devemos talvez questionar o que os media em geral vão fazer quando não puderem culpar mais nada. Talvez devam virar esse escrutínio para dentro e assumir alguma da responsabilidade? Os media são ótimos a difamar o que possa parecer fora da sociedade, mas são ainda melhores a glorificar tudo o que possa aumentar as suas vendas. Uma afirmação de Marilyn Manson, num artigo publicado na Rolling Stone em 1999 diz tudo:

"O nome Marilyn Manson nunca celebrou o triste facto de que a América coloca os assassinos na capa da Time Magazine, dando-lhe tanta notoriedade como os nossos artistas favoritos. De Jesse James a Charles Manson, os media têm uma predisposição para transformarem estes criminosos em ícones populares."

A media em geral, não só acaba por glorificar muitos destes indivíduos, como também lhes providenciam convenientes bodes expiatórios que acabam por levar com grande parte da culpa. Jogos, filmes, livros e música não tornam as pessoas comuns em indivíduos perigosos. Podem porém dar uma boa desculpa às pessoas violentas para cometerem atos violentos. Catcher in the Rye nunca foi o problema, Marilyn Manson nunca foi o problema e os videojogos não são o problema. Em vez de encontrarmos bodes expiatórios, porque não tentarmos encontrar qual é de facto o verdadeiro problema?

Videojogos e violência: O Bode Expiatório
Depois de dois meses a jogarem Super Mario 64 durante meia-hora, o instituto Max Planck apresentou resultados conclusivos. Exames TAC realizados às pessoas envolvidas no teste (um grupo de adultos) antes e depois da experiência, mostrou que as células do cérebro que controlam elementos como as capacidades motoras, a memória e o planeamento, melhoraram significativamente. O teste foi conduzido por Simone Hühn, que defende veemente que os videojogos deveriam passar a ser mandatórios no tratamento de alzheimer, esquizofrenia e stress pós-traumático.


A carregar o conteúdo seguinte