Como os custos são mais reduzidos, os jogos independentes conseguem arriscar mais facilmente com a experimentação, o que por vezes permite a criação de pérolas e conceitos interessantes. Alguns jogos arriscam em termos de mecânicas inovadoras, outros preferem contar uma história diferente do que é típico no meio. Sunset encaixa na segunda categoria.
Sunset apresenta um argumento baseado em duas personagens, ambas profundas e ricas, mas muito diferentes. Através desta perspetiva, o jogador terá a oportunidade de abordar alguns tópicos muito interessantes, e repensar o papel do cidadão comum na sociedade contemporânea. Vão abordar temas como a liberdade de expressão, o valor da arte e a importância da democracia, mas voltaremos a estes tópicos mais tarde.
Os jogadores vão assumir o papel de Angela Burnes, uma jovem norte-americana que estava de visita a Anchuria (uma nação fictícia na América do Sul), mas que acabou por ficar sem hipótese de saída depois de se iniciar um grande conflito político e social. Tudo isto durante a década de 1970. O novo ditador, Miraflores, proibiu todas as saídas de Anchuria, e as suas forças militares ocuparam a maioria dos edifícios com importância cultural - Miraflores despreza a arte. Angela é uma engenheira, mas dada a sua situação atual, foi obrigada a trabalhar como dona doméstica. Todos os dias, antes do pôr do sol, Angela tem de cuidar do apartamento de um homem chamado Gabriel Ortega, durante uma hora. Ortega é um homem que adora arte e parece ser muito culto, de tal forma que os dois começam a estabelecer uma amizade peculiar através de mensagens.
Durante uma fase inicial, Ortega deixa indicações a Angela, sobre o tipo de tarefas que tem de cumprir, mas aos poucos, ambos começam a deixar recados e a discutir tópicos que se vão tornado cada vez mais profundos. Isto começa a despertar a curiosidade de Angela - e do jogador - que irá tentar descobrir cada vez mais sobre este homem fascinante e a sua história.
Sunset tem uma estrutura muito simples: tudo se passa no vasto apartamento de Gabriel Ortega, e Angela tem uma hora (30 minutos reais) para cumprir as suas tarefas. As poucos, também vai descobrindo notas deixadas no apartamento. O jogador pode optar por responder a estas notas, ou ignorá-las. Em termos de mecânicas, Sunset funciona como um jogo de aventura clássico, mas quase todas as ações podem ter algum tipo de influência na narrativa e na relação entre Sunset e Ortega.
Durante o curto período que têm para explorar o apartamento antes do sol se esconder, podem explorar o apartamento, admirar pinturas, olhar para fotografias que contam a história de Ortega, ler os títulos dos muitos livros que estão no apartamento ou até ouvir música. Em resumo, é importante para toda a experiência que percebam o contexto político e cultural de Ortega em relação ao regime opressivo que está a tomar conta do país. Angela também vai partilhando os seus pensamentos sobre a situação de Anchuria, a sua ligação emocional com o país, e a misteriosa ligação com Ortega, numa relação que sofre mudanças radicais.
Sunset é uma experiência que vive muito do enredo, com uma narrativa interessante, ainda que pautada por um ritmo lento e contemplativo. Cada pequena pista descoberta por Angela é como uma cenoura pendurada à nossa frente, que nos motiva a querer saber ainda mais. Durante a meia hora de tempo real que têm no apartamento, vão querer despachar as tarefas o mais rápido possível, para terem mais tempo para bisbilhotar as fotos e os documentos que Ortega deixa no apartamento.
Através de uma mecânica que simula um diário pessoal, Angela revela as suas emoções e sentimentos sobre o conflito que está a afetar o país. É um mecanismo que permite à Tale of Tales explorar a psicologia das personagens, as suas ideologias e a sua perspetiva política e social. Existem vários tópicos difíceis que Angela (e Ortega, através de Angela) aborda em relação ao ditador Miraflores.
Sunset tem a sensibilidade de abordar vários temas contemporâneos sem nunca cair na tentação de os tratar como clichés. É um processo complicado, que parece simples durante o jogo - e isto é o seu maior segredo para o sucesso. É uma abordagem que vimos recentemente noutros jogos, como Valiant Hearts: The Great War ou This War of Mine, por exemplo. Em contraponto, Sunset tem também algumas falhas . O grafismo é bastante cru (ainda que estilizado), e o ritmo da história não será certamente para todos os gostos.
O que deve no entanto ficar desta análise, é que gostámos bastante de Sunset. Toda a experiência está focada numa forte narrativa, com personagens fascinantes e temas interessantes, que não são muito comuns entre os videojogos. É mais um exemplo de que os videojogos podem afinal abordar todo o tipo de tópicos, com igual ou superior eficácia que outros meios.